A paz anual que muda por uma semana
Quando passava em frente a um cemitério lembrei que ali estava um conhecido, nunca fui de frequentar, mas deu aquele momento reflexivo e a provocação de entrar foi maior, alguns minutos de procura e lá estava sua última morada, muitos túmulos arrumados e outros em manutenção indicavam que a data do feriado de finados estava próxima, passados alguns instantes rememorando as boas histórias que construímos e os anos de sua ausência, onde se reforça que a morte é um ponto final complexo de ser compreendido.
Enquanto estava em silêncio rememorando a vida percebi que algumas pessoas limpavam alguns túmulos, os equipamentos e os produtos em mãos diziam sobre essa manutenção e do quanto estavam animados com a faxina, a folia estava associada a limpeza e uma mangueira de água insistia em molhar tudo e todos, quando escutei dois destes enfatizarem que era para a Simone parar de fazer bagunça e pela alegria de seu sorriso acredito que não estava interessada em abandonar seu novo entretenimento.
Uma família limpando o ambiente de seus entes e o interessante era a festa que ocorria, fato é que a tristeza pela perda não fazia parte do contexto e muito menos o ambiente mórbido fazia menção de assustar, o contexto diz muito de que o luto dura um tempo e depois somente as boas lembranças persistem.
Visível aos olhos era a alegria contagiante em limpar aquele ambiente, era evidente e diz muito se observar que ao invés do silêncio característico do cenário, era a euforia que motivava e se naquele local a felicidade existia é possível presumir que não era uma festa isolada e provavelmente a tristeza ou apatia é o que não faz parte do contexto do cotidiano daquele grupo.
Para alguns que vivem um luto infinito por não conseguirem conviver com perdas tem na época de finados um bom momento de renovar as energias, claro que cada um tem seu tempo e tomara que nunca persista muito pois a vida precisa ser seguida.
É necessário aprender com outras culturas a não valorizarmos tanto o sofrer, onde a dor do luto é complexa somente quando crianças se vão já que não tiveram tempo e oportunidade de viver uma vida plena, para aqueles que viveram muitos anos e que partiram muito velhinhos a obrigação é festejar muito pois realmente tiveram a oportunidade de ter uma vida por completa.
E como é confuso pensar que o dia dos mortos é um período em que se gasta muito para embelezar o cenário que será o fim para todos, onde um florido festivo durará até a próxima semana, depois disto tudo será descartado para fazer girar a máquina comercial financeira do reutilizar sucessivas vezes e para o sossego dos ali residentes, a rotina do cinza normal em breve voltará a ser única, frequentada apenas pelos ousados pássaros e gatos que não tem medo de cemitério.
Assim como aqueles festejaram no cemitério junto com seus entes é preciso comemorar mais a vida com os amigos e familiares, deixando de lado rusgas e desavenças que dividem quando na verdade deveriam somar, presentear as pessoas com flores de verdade, de preferência com raízes para que durem e nunca aquelas que são belas mas só servem para reciclagem, acender velas para iluminar o caminho entre a casa e o gramado de onde se poderá no escuro admirar o céu estrelado, pois é muito melhor ficar por três horas rindo por besteiras do que num velório, velando por infinitas 24 horas.
Melhor fazer algo concreto em vida pelos outros do que boas frases de consolo que pouco reconfortam após a morte.
Paulo C. Andrighe
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