Os filtros que filtram as verdades verdadeiras
Existem conversas que são no mínimo estranhas, para não falar inusitadas, de prosa com uma amiga que desabafava sobre as dificuldades da vida, dos desafios com a família, os relacionamentos amorosos frágeis e o ambiente profissional que estava lhe judiando, no entanto o curioso aconteceu de que enquanto ela relatava sobre as tempestades da vida, estava editando uma foto em seu celular, após terminar a tarefa, olhou para mim e sem hesitar tascou o questionamento: “Minha foto ficou boa? Eu estou bonita?”.
Fato é que depois de passar por alguns filtros, a foto ficou de bom gosto e cheia de vida, realmente as pinceladas de tecnologia realçaram aquela imagem.
Duvido que alguém nunca tenha se feito aquela velha e famigerada perguntinha, “será que só eu tenho problemas de verdade?”, convenhamos que os filtros que colocamos em nossa vida às vezes enganam e as vezes eles se fazem necessários, para minimizar um pouco os pesos que carregamos, enquanto que para alguns que parecem ter vindo a este mundo a trabalho, para a outra grande maioria, parecem estar de férias permanentes, munidos de um cartão Black Premium Internacional das Galáxias, sem limites de crédito e evidentemente sem preocupações com a vida.
Ao que tudo indica, há uma espécie de competição silenciosa em curso para ver quem aparenta ser mais feliz e o pódio muda o tempo todo, guiado pelas bênçãos de um certo “São Algoritmo”, a ironia é que as redes sociais nasceram com o propósito de aproximar as pessoas, mas os filtros acabaram criando um universo paralelo e ilusório, dependente de aprovação e sustentado pela validação em forma de likes.
De modo geral, potencializar os bons momentos faz bem e é natural querer compartilhar as alegrias, as redes sociais nos condicionam a mostrar apenas o lado positivo da vida e não há nada de errado em evitar expor situações desagradáveis, no entanto, quando tudo se torna excessivamente lindo e perfeito, quando não há espaço para os tropeços ou fragilidades, cria-se a ilusão de que a vida precisa ser eternamente bela e feliz, retratos de uma vida filtrada que está distante da realidade nua e crua.
O curioso é que nesses mundos paralelos habitados por avatares, não há espaço para dor de dente, unha encravada, dor de cabeça ou qualquer contratempo, ali tudo é impecável e indolor.
É importante lembrar que as redes sociais mostram apenas uma fração de quem somos, o recorte que achamos que vale à pena dividir, por isso os filtros que servem para polir, maquiar e envernizar a parte da vida que julgamos digna de ser compartilhada.
Os filtros embelezam aquilo que nossos olhos querem ver e de certo modo, alimentam e massageiam nossa autoestima, no entanto, não devem servir para criar um personagem, pois há o risco de que ator e personagem jamais se encontrarem, de viverem em mundos distintos e não conseguirem estar no mesmo ambiente ao mesmo tempo, até porque na vida real, só há espaço para um protagonista, apenas o ator principal pode atuar.
Paulo C. Andrighe



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