Rabiscar um livro é conversar com o autor
Para alguns rabiscar livros é um mau hábito e para outros é uma verdadeira necessidade, no meu caso esse costume começou nos primeiros anos de escola, como minha irmã sempre esteve um ano à minha frente, eu herdava seus livros usados e que estavam cheios de anotações, mas claro, antes de usá-los era necessário apagar os rabiscos, sempre ouvindo a recomendação de que se for escrever algo que “Use lápis, porque alguém ainda pode precisar deste livro no próximo ano.”
O que mais me deixa inconformado e carrego isso como um verdadeiro trauma de infância, foi ouvir com todas as sílabas bem marcadas a voz da professora gritando: “NÃO RISQUEM OS LIVROS!”, era frustrante pois justamente nos livros mais interessantes, aqueles cheios de gravuras e possibilidades em que enfaticamente não se podia rabiscar, interagir ou sequer deixar uma pequena contribuição na interpretação.
Os livros representam uma abordagem, uma opinião ou a visão de um mundo apresentada pelo autor, quando rabiscamos, sublinhamos ou fazemos anotações nas margens, estamos interagindo com esse conteúdo, as vezes concordando, discordando ou apenas refletindo. Essa prática transforma a leitura em um diálogo, onde as ideias expressas nas páginas ganham novos contornos e nossos comentários se tornam uma contribuição ao argumento do autor, enriquecendo assim a discussão.
E para aqueles que interagem com os livros, seja lá de qualquer forma for, é certo que aquela história jamais será esquecida, é como contribuir e fazer parte de uma nova versão atualizada e que foi revisada.
Como é prazeroso interagir com os pensamentos de um livro, transformar o monólogo do autor em um verdadeiro diálogo com o leitor, melhor ainda é revisitar os rabiscos deixados em obras lidas há muito tempo, redescobrindo o que nos tocou naquele momento, há também algo de fascinante em folhear livros marcados por outras mãos, tentando decifrar o motivo por trás dos riscos, sublinhados, chaves e asteriscos, pistas silenciosas de um diálogo passado entre leitor e páginas.
É preciso respeitar aqueles que defendem com firmeza a ideia de que rabiscar um livro é profaná-lo, tornando impensável até mesmo dobrar o canto de uma página para marcar onde parou a leitura, para estes o máximo aceitável é uma dedicatória discreta, escrita na página em branco, aquela logo no começo que muito provavelmente foi deixada ali para este fim, justamente para esse tipo de “ousadia”, claro que este disparate precisa se resumir a somente isso e mais nada.
Durante muito tempo meu maior sonho era ter uma grande biblioteca repleta de livros, tirar fotos com eles ao fundo no melhor estilo intelectual, mas os anos passaram e hoje enxergo isso de outra forma, acredito que os livros precisam circular, ganhar novos leitores, viver em outras mãos, um livro surrado é sinal de vida, de que ele foi explorado e suas histórias compartilhadas, é como uma pedra que depois de rolar muito, ela perde as quinas e com isso consegue ir mais longe.
Por isso risque à vontade seus livros, não importa se a vida é uma obra-prima ou apenas um rascunho, o que realmente importa é aprimorá-la a cada instante, a vida precisa ser constantemente revisada, atualizada e reescrita em novas versões de nós mesmos.
E aos livros, sempre passe adiante com seus rabiscos e anotações, para que o próximo leitor fique curioso, querendo descobrir sobre que conversa o autor e os leitores anteriores estavam travando, assim que puder, entre na prosa e inclua as suas considerações.
Leu até aqui? Fique à vontade para compartilhar suas observações pois são elas que enriquecem a discussão e tornam possível a construção de um diálogo, refletir sobre o tema é essencial, mas são os registros e desenhos deixados nas pedras há milhares de anos, que ainda hoje nos provocam questionamentos.
Paulo C. Andrighe
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